O dia mais terrível da minha vida, Ataque ao Hospital de S. Paulo, Luanda 1975
Artigos editados em 2011, no extinto Blogorama (Os guerreiros da paz)
Artigo elaborado pelo Ex Alferes Pena.
Tanto o RCA como o Hospital de S. Paulo e o Universitário se situavam na Av. do Brasil em lados opostos.
A FNLA ocupava os prédios no início da Avenida.
O MPLA ocupava o Rádio Clube de Angola
A UNITA ocupava algo mais modesto, para o lado direito do Hospital!!!!

Na Avenida do Brasil, existiam uma série de edifícios muito altos e com algum espaço entre eles.
No início da Avenida, do lado esquerdo e direito, ficavam prédios de habitação muito altos, ocupados pela FNLA.
A seguir situava-se o Rádio Clube de Angola, do lado direito, para quem seguia em direcção ao Rangel, ocupado pelo MPLA.
Depois estava o Hospital de São Paulo e o Universitário, do lado esquerdo, onde um grupo de combate das companhias do COTI 1, da qual fazia parte a 1ª CArt do BArt 6323 era colocado, em sistema de rotatividade, para que este não corresse o risco de ser ocupado por nenhum dos movimentos (MPLA, FNLA ou UNITA). Isto, porque havia indicação dos serviços de informação que qualquer dos movimentos pretendia ocupar o Hospital de S. Paulo para fazer dele o seu quartel general.
Mais abaixo estava uma delegação da UNITA.
Todos faziam, de vez enquando, troca de tiros e de outros «mimos» entre si.
A gente já conhecia as armas pelo som dos disparos. Uma noite começámos a ouvir um som novo. E ficámos intrigados. Não era de PPSH (usada pelo MPLA), não era de Kalashnikov (usada pele FNLA e pelo MPLA), não era de G3 (usada por nós e pela UNITA, com as armas que os nossos altos comandos lhe forneceram). Não era som de metralhadora pesada - essa fazia mais barulho. Então que raio de arma seria? No dia seguinte de manhã ao passarmos junto à delegação da UNITA vemos os indivíduos armados com as G3 sem tapa-chamas. Estava descoberto o mistério da nova arma - G3 sem tapa chamas.
No meio deste fogo cruzado ficava o Hospital de S. Paulo.
Neste dia era o 3º grupo de combate, da 1ª. CArt do BArt 6323, comandado pelo Ex-Alferes Pena, que estava responsável pela segurança.
Logo após o «piquenique» do almoço, aí pelas 14 horas, estava o Lima, no jardim à entrada do Hospital, com mais alguns camaradas, que tinham ido almoçar no 1º turno, quando este começa a ser atingido com uma série de roquetadas. O Ex-alferes Pena havia acabado de chegar de almoçar do R.I. 20 nesse preciso momento e só teve tempo, ele os camaradas que vinham com ele, de saltar da Berliet e abrigarem-se atrás dos pneus.
Aqueles que tinham almoçado antes (isto porque tinham que se render uns aos outros para que a segurança não fosse desguarnecida) e já estavam dentro dos muros do Hospital, como era o caso do Lima, estavam totalmente desabrigados em pleno jardim, junto à rotunda que dividia o acesso ao Hospital de S. Paulo e ao Universitário.
Ficaram todos intrigados, perplexos por não terem onde se abrigar e incrédulos pelo que estava a acontecer. Só se abrissem um buraco com o nariz para meterem a cabeça é que conseguiriam um abrigo naquele local. Deitaram-se no chão e sentiam os ramos das árvores a cairem-lhes em cima, cortados pelos estilhaços das granadas dos roquetes. O Ex-Alferes Pena e o radiotelegrafista Deitado, atrás de um pneu da Berliet, tentavam em vão entrar em contacto com a Sala de Operações do COTI 1. Mas nas alturas de aflição o Racal TR 28 nunca funcionava e foi o que aconteceu mais uma vez.
O ataque foi breve e preciso. Durou menos de um minuto.
Acabada a série de roquetadas, começa-se a ouvir toda a gente aos gritos dentro do Hospital. Correram todos para ver os estragos e tentar ajudar aquela gente.
O cenário era desolador, terrífico e só próprio de filmes de terror: As pessoas gritavam, atropelavam-se umas às outras para tentar fugir o mais depressa dali. E o pessoal de serviço (médicos, enfermeiros e auxiliares) andava numa azáfama a transportar os feridos e alguns já mortos para as salas de tratamento e operações, com toda a gente aos gritos e completamente em pânico. E nós a tentarmos acalmar aquela gente ainda devemos ter sido apelidados de malucos e de não termos sentimentos, porque só gritávamos para terem calma.
Uma rapariga que pensamos que estava a escrever à máquina, quando foi atingida na cabeça, deixa pedaços de couro cabeludo salpicados por todo o lado e ainda assistimos ao corpo a ser puxado deixando um rasto de sangue pelo chão (como se pode ver na foto de cima).
E enquanto os restantes tentam acalmar aquela multidão em pânico, o Lima com a sua Yashica regista as únicas fotografias, em cima do acontecimento, para a posteridade.
Acalmados os ânimos e ao fazermos um balanço chegamos à conclusão que as roquetadas tinham vindo do MPLA, porque a FNLA encontrava-se muito distante para atingir o Hospital com tanta violência.
E mais uma vez nossos blindados tinham sido os nossos camuflados de pano.
Nessa noite aí pelas 22 hora entrou um blindado com «chicos» do Estado Maior General. Um coronel sai e pergunta pelo comandante do grupo de combate responsável pela segurança. Como o Ex-Alferes Pena estava no interior do Hospital alguém o foi chamar.
Engraçado... ele fê-lo esperar que se lixou, porque nós tínhamos levado com o ataque de camuflado e sua Ex.cia aparecia para «cagar duas lamponas» de blindado, quando tudo já estava calmo e sereno. E só apareceu oito horas depois do ataque.
Eram assim os nossos oficiais do quadro permanente do Estado Maior General.
Esta noite foi uma noite terrível a tirar os feridos, em estado de coma, dos pavilhões que ficavam por trás do Hospital, para o Hospital Maria Pia com as balas tracejantes a rasgarem o céu escuro como breu...
Nos dias seguintes os feridos com menos gravidade também foram todos transferidos para o Hospital Maria Pia que ficou a rebentar pelas costuras e com a morgue com pilhas de mortos a saírem da porta, já em decomposição e a exalarem um cheiro putrefacto.
A partir de então o Hospital ficou inoperacional, mas nós e as restantes compaanhias do COTI 1 continuaram a garantir a sua segurança.
E apetece interrogarmo-nos: quem ataca um Hospital que moral tem?
Quais são os seus princípios? Quais são os valores que defende?
E foi essa gente que ficou a tomar conta dos destinos de Angola.
O resultado viu-se «a posteriori»...
Texto do Ex Alferes Pena e de Albino Lima
Fotos tiradas logo após o ataque!!!

Um comentário de um médico que exercia funções na altura no Hospital Maria Pia
Dr Carlos Tavares
Mon 03 Oct 2011 00:22
Prezado Senhor
Conheço bem a situação, pois fazia em 1975 era médico residente e no Maria Pia, realmente foi de ficar em panico, ver todas as situações desesperadoras e nada poder fazer a não ser tratar dentro do possível quem necessitava de ajuda. se tiver mais fotos por favor me envie.
Um grande abraço.
Carlos Tavares
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guerreirosdapazMon 03 Oct 2011 17:26
Boa tarde Sr. Dr. Tavares.
È com grande satisfação que recebo esclarecimentos de outras fontes, coma a sua.
Não é que sejam recordações agradáveis mas foram acontecimentos reais que não podemos comutar, eu duvido que venha a ter outras fotos, mas se a caso vier a receber de alguém eu colocarei aqui, o mesmo lhe peço eu se tiver alguma coisa para comentar e o queira fazer teria todo o gosto em postar aqui.
Desde já o meu muito obrigado
Albino Lima