O dia mais terrível da minha vida, Ataque ao Hospital de S. Paulo, Luanda 1975

20-03-2021

Artigos editados em 2011, no extinto Blogorama (Os guerreiros da paz)

Artigo elaborado pelo Ex Alferes Pena.

Tanto o RCA como o Hospital de S. Paulo e o Universitário se situavam na Av. do Brasil em lados opostos.

A FNLA ocupava os prédios no início da Avenida.

O MPLA ocupava o Rádio Clube de Angola

A UNITA ocupava algo mais modesto, para o lado direito do Hospital!!!!

Artigo elaborado pelo Ex Alferes Pena
Artigo elaborado pelo Ex Alferes Pena

Na Avenida do Brasil, existiam uma série de edifícios muito altos e com algum espaço entre eles.

No início da Avenida, do lado esquerdo e direito, ficavam prédios de habitação muito altos, ocupados pela FNLA.

A seguir situava-se o Rádio Clube de Angola, do lado direito, para quem seguia em direcção ao Rangel, ocupado pelo MPLA.

Depois estava o Hospital de São Paulo e o Universitário, do lado esquerdo, onde um grupo de combate das companhias do COTI 1, da qual fazia parte a 1ª CArt do BArt 6323 era colocado, em sistema de rotatividade, para que este não corresse o risco de ser ocupado por nenhum dos movimentos (MPLA, FNLA ou UNITA). Isto, porque havia indicação dos serviços de informação que qualquer dos movimentos pretendia ocupar o Hospital de S. Paulo para fazer dele o seu quartel general.

Mais abaixo estava uma delegação da UNITA.

Todos faziam, de vez enquando, troca de tiros e de outros «mimos» entre si.

A gente já conhecia as armas pelo som dos disparos. Uma noite começámos a ouvir um som novo. E ficámos intrigados. Não era de PPSH (usada pelo MPLA), não era de Kalashnikov (usada pele FNLA e pelo MPLA), não era de G3 (usada por nós e pela UNITA, com as armas que os nossos altos comandos lhe forneceram). Não era som de metralhadora pesada - essa fazia mais barulho. Então que raio de arma seria? No dia seguinte de manhã ao passarmos junto à delegação da UNITA vemos os indivíduos armados com as G3 sem tapa-chamas. Estava descoberto o mistério da nova arma - G3 sem tapa chamas.

No meio deste fogo cruzado ficava o Hospital de S. Paulo.

Neste dia era o 3º grupo de combate, da 1ª. CArt do BArt 6323, comandado pelo Ex-Alferes Pena, que estava responsável pela segurança.

Logo após o «piquenique» do almoço, aí pelas 14 horas, estava o Lima, no jardim à entrada do Hospital, com mais alguns camaradas, que tinham ido almoçar no 1º turno, quando este começa a ser atingido com uma série de roquetadas. O Ex-alferes Pena havia acabado de chegar de almoçar do R.I. 20 nesse preciso momento e só teve tempo, ele os camaradas que vinham com ele, de saltar da Berliet e abrigarem-se atrás dos pneus.

Aqueles que tinham almoçado antes (isto porque tinham que se render uns aos outros para que a segurança não fosse desguarnecida) e já estavam dentro dos muros do Hospital, como era o caso do Lima, estavam totalmente desabrigados em pleno jardim, junto à rotunda que dividia o acesso ao Hospital de S. Paulo e ao Universitário.

Ficaram todos intrigados, perplexos por não terem onde se abrigar e incrédulos pelo que estava a acontecer. Só se abrissem um buraco com o nariz para meterem a cabeça é que conseguiriam um abrigo naquele local. Deitaram-se no chão e sentiam os ramos das árvores a cairem-lhes em cima, cortados pelos estilhaços das granadas dos roquetes. O Ex-Alferes Pena e o radiotelegrafista Deitado, atrás de um pneu da Berliet, tentavam em vão entrar em contacto com a Sala de Operações do COTI 1. Mas nas alturas de aflição o Racal TR 28 nunca funcionava e foi o que aconteceu mais uma vez.

O ataque foi breve e preciso. Durou menos de um minuto.

Acabada a série de roquetadas, começa-se a ouvir toda a gente aos gritos dentro do Hospital. Correram todos para ver os estragos e tentar ajudar aquela gente.

O cenário era desolador, terrífico e só próprio de filmes de terror: As pessoas gritavam, atropelavam-se umas às outras para tentar fugir o mais depressa dali. E o pessoal de serviço (médicos, enfermeiros e auxiliares) andava numa azáfama a transportar os feridos e alguns já mortos para as salas de tratamento e operações, com toda a gente aos gritos e completamente em pânico. E nós a tentarmos acalmar aquela gente ainda devemos ter sido apelidados de malucos e de não termos sentimentos, porque só gritávamos para terem calma.

Uma rapariga que pensamos que estava a escrever à máquina, quando foi atingida na cabeça, deixa pedaços de couro cabeludo salpicados por todo o lado e ainda assistimos ao corpo a ser puxado deixando um rasto de sangue pelo chão (como se pode ver na foto de cima).

E enquanto os restantes tentam acalmar aquela multidão em pânico, o Lima com a sua Yashica regista as únicas fotografias, em cima do acontecimento, para a posteridade.

Acalmados os ânimos e ao fazermos um balanço chegamos à conclusão que as roquetadas tinham vindo do MPLA, porque a FNLA encontrava-se muito distante para atingir o Hospital com tanta violência.

E mais uma vez nossos blindados tinham sido os nossos camuflados de pano.

Nessa noite aí pelas 22 hora entrou um blindado com «chicos» do Estado Maior General. Um coronel sai e pergunta pelo comandante do grupo de combate responsável pela segurança. Como o Ex-Alferes Pena estava no interior do Hospital alguém o foi chamar.

Engraçado... ele fê-lo esperar que se lixou, porque nós tínhamos levado com o ataque de camuflado e sua Ex.cia aparecia para «cagar duas lamponas» de blindado, quando tudo já estava calmo e sereno. E só apareceu oito horas depois do ataque.

Eram assim os nossos oficiais do quadro permanente do Estado Maior General.
Esta noite foi uma noite terrível a tirar os feridos, em estado de coma, dos pavilhões que ficavam por trás do Hospital, para o Hospital Maria Pia com as balas tracejantes a rasgarem o céu escuro como breu...

Nos dias seguintes os feridos com menos gravidade também foram todos transferidos para o Hospital Maria Pia que ficou a rebentar pelas costuras e com a morgue com pilhas de mortos a saírem da porta, já em decomposição e a exalarem um cheiro putrefacto.

A partir de então o Hospital ficou inoperacional, mas nós e as restantes compaanhias do COTI 1 continuaram a garantir a sua segurança.

E apetece interrogarmo-nos: quem ataca um Hospital que moral tem?

Quais são os seus princípios? Quais são os valores que defende?

E foi essa gente que ficou a tomar conta dos destinos de Angola.

O resultado viu-se «a posteriori»...

Texto do  Ex Alferes  Pena e de Albino Lima

Fotos tiradas logo após o ataque!!! 

Um comentário de um médico que exercia funções na altura no Hospital Maria Pia

Dr Carlos Tavares

Mon 03 Oct 2011 00:22

Prezado Senhor
Conheço bem a situação, pois fazia em 1975 era médico residente e no Maria Pia, realmente foi de ficar em panico, ver todas as situações desesperadoras e nada poder fazer a não ser tratar dentro do possível quem necessitava de ajuda. se tiver mais fotos por favor me envie.
Um grande abraço.
Carlos Tavares

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guerreirosdapazMon 03 Oct 2011 17:26

Boa tarde Sr. Dr. Tavares.
È com grande satisfação que recebo esclarecimentos de outras fontes, coma a sua.

 Não é que sejam recordações agradáveis mas foram acontecimentos reais que não podemos comutar, eu duvido que venha a ter outras fotos, mas se a caso vier a receber de alguém eu colocarei aqui, o mesmo lhe peço eu se tiver alguma coisa para comentar e o queira fazer teria todo o gosto em postar aqui.
Desde já o meu muito obrigado
Albino Lima

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