ZALA - 21 de Junho de 1974

15-11-2020

O Bolo de aniversário do Ex Alferes Pena

ZALA - 21 de Junho de 1974O bolo do 22º Aniversário do Ex Alferes Pena, só faltaram as velas.Texto escrito em 2009 no extinto blogorama "Guerreiros da Paz"O Ex-Alferes Pena escreveu:Quando cheguei a Angola ainda só tinha 21 anos.Foi nesta data (21 de Junho de 1974) que comemorei (e que comemoração!) as minhas 22 Primaveras.Eram umas 7 horas da manhã e ainda estávamos todos a dormir. Bate à porta do quarto o falecido Capitão Ramiro Pinheiro a gritar:- Levantem-se rapidamente e preparem-se, porque temos que sair imediatamente. Rebentou uma mina numa viatura da 3ª. Companhia.Foi como se nos tivessem dado um choque eléctrico. Em menos de 5 minutos estava a Companhia a sair de Zala em direcção a Nabuangongo. Passados uns 5 kilómetros e antes do cruzamento para a Maria Teresa encontramos dois grupos de combate da 3ª Companhia e uma Berliet como a foto documenta.Aparece-me a correr o Ex-Alferes Magalhães, que tinha sido incorporado em Angola e tirado o curso em Nova Lisboa,e estava agregado à 3ª. Companhia, a perguntar se não tínhamos nenhum morteiro. Claro que tínhamos, porque nós quando saíamos para qualquer coluna levávamos o armamento todo. Nisso na 1ª. Companhia não se facilitava em circunstância alguma.Diz-me ele:- Ó pá, temos que bater a zona por onde eles (os turras) devem ter fugido.E eu perguntei-lhe:- Para onde foi?- Foi para ali. - Diz-me ele.- Então vamos a isso. - Retorqui-lhe eu.Peço ao 1º. Cabo Silva (apontador de morteiro) o morteirete 60 que ele trazia (aquele que tinha uma bandoleira graduada) e faço eu de apontador e o Ex-Alferes Magalhães de municiador. Isto porque o pessoal ainda não tinha grande experiência e eu, no meu curso de oficiais ,«brincava» com o morteiro e ao terceiro disparo estava em cima do alvo. O segredo residia no cálculo a olho nú da distância onde queríamos que a granada caísse e, como tal, na inclinação que tínhamos que dar ao morteiro, que no caso era fácil, porque a bandoleira tinha uma escala com as distâncias marcadas.Hoje, quando recordo isto, lembro-me da insconsciência de tal acto: dois oficiais na picada descoberta, alvos fáceis, sujeitos a serem os dois atingidos. Mas nada aconteceu. Mandámos umas cinco ou seis granadas para a zona que ele me tinha indicado e não houve qualquer resposta por parte do IN.Mas afinal o que é que tinha acontecido? Havia dois grupos de combate da 3ª. Companhia que iam para recolher outros dois que tinham acabado uma operação na mata na Maria Teresa. Na viatura que seguia à frente com os sacos de areia (o rebenta minas) seguia o Ex-Alferes Lopes (do meu curso de oficiais). O pessoal ia decontraído, porque nada fazia prevêr uma situação daquelas. Mas o facto é que os «nossos amigos turras» haviam colocado um mina (ainda que de fraca potência para o que era habitual) e rebentaram com a frente da Berliet (como a foto mostra) e o pobre do Lopes caiu de cú na picada. Ficou dorido e com umas nódoas negra,s mas não teve nenhuma fractura.Depois em jeito de brincadeira eu até lhe dizia:- Então, ó Lopes, esqueceste-te de abrir o pára-quedas?Chegámos à conclusão que o que tinha acontecido à 3ª. Companhia tinha sido um acidente de percurso, porque a mina era para o MVL que vinha nesse dia para Zala.Mas voltando à odisseia do dia 21 de Junho de 1974. Depois das morteiradas, diz-me o falecido Capitão Ramiro Pinheiro:- Ó Pena, assuma o comando dos dois grupos de combate (o 3º. - o meu e o 4º. - o do falecido Alferes Santos) e vá ao encontro do MVL e escolte-o até ao quartel.Isto, porque o MVL (coluna de reabastecimento), tendo sabido do sucedido via rádio, estava parado na Madureira à espera de quem os fosse escoltar.Entretanto os dois grupos de combate (o do Ex-Alferes Passeira e do Ex-Alferes Ramos) regressaram a Zala escoltando os dois grupos da 3ª companhia e rebocando a Berliet que tinha sido minada.E nós, seguindo as normas que tínhamos aprendido, começámos a andar a pé ao lado das viaturas. Eu ia à frente a ver se via algum vestígio de terra mexida na picada - sinal de mina colocada recentemente.Andámos assim para aí uns dois a três quilómetros. Como não se vissem vestígios de nada, a não ser umas pacaças ao longe, decidi mandar subir o pessoal para as viatura se fosse o que Deus quizesse. Na primeira viatura ia eu e também não levava pára-quedas.Fomos ao encontro do MVL e escoltámo-lo. Quando já estávamos a uns dois quilómetros do quartel recebemos uma comunicação via rádio para largarmos o MVL que já estava póximo de Zala e irmos à Maria Teresa recolher os dois grupos de combate da 3ª. Companhia e que ainda lá estavam. Isto eram umas 3 da tarde e todos nós com os estômago a dar horas.Mas as ordens eram para se cumprir e lá fomos nós recolher os pobres que estavam desde manhã à espera de serem recolhidos. Lembro-me que um dos grupos de combate era comandado pelo Ex-Alferes de Operações Especiais Pereira que tinha sido meu colega na recruta.Recolhemos os grupos e chegamos ao quartel a Zala à 4 horas da tarde, fanmintos, cheios de pó até às entranhas e completamente estoirados.Depois de uma chuveirada rápida, com a água aquecida em bidons de 200 liros colocados em cima da laje da casa de banho, dirijo-me à messe de oficiais para «almoçar» às 4 e tal da tarde. E qual não é o meu espanto: não havia nada feito para comer!!!! Desatei a gritar se não tinha havido um f... da p.. que se tivesse lembrado de avisar que ainda havia gente na rua e que precisava de comer. E logo no dia em que completava 22 anos. Quem é que aparece ao ouvir os meus berros? O Comandante do Batalhão, o Tenente-Coronel Machado da Silva.- Então, ó Pena, o que é que se passa? - pergunta-me ele.- Ó meu Comandante, o que se passa é que acabo de chegar da picada, farto de pó e cheio de fome e logo hoje no dia em que faço anos e não houve ninguém que se lembrasse de me mandar guardar o almoço e o cozinheiro diz que já não há nada para se comer.Vira-se para o cozinheiro e diz-lhe:- Ó nosso pronto, faz favor de arranjar imediatamente alguma coisa que se coma aqui para o Alferes Pena.Na altura eu trazia o cabelo um bocado comprido para o que era normal e segundo as regras aconselhavam.Como fumava e não tinha lume, e como o Comandante Machado da Silva era um fumador tão inveterado ou mais do que eu na época, peço-lhe:- Ó meu Comandante, não se importa, se faz favor dá-me lume?Ele olha-me de alto a baixo e responde-me:- Ouça lá, você não sabe ir ao barbeiro pedir lume?Eu ri-me e respondi-lhe:- Obrigado, meu Comandante, pelo recado para eu cortar o cabelo.Deu-me lume, eu lá almocei (já não me lembro o quê) e depois foi comemorar o dia de anos que culminou com um banho de chuveiro, completamente vestido, às 4 da manhã.Mas a história ainda não acaba aqui.No dia seguinte eu estava de oficial de dia.Logo depois do render da parada dirijo-me ao Comandante do Batalhão para me apresentar.- Dá-me licença, meu Comandante? Apresenta-se o oficial de dia.Ela olha para mim e diz-me:- Só aceito a apresentação quando o oficial de dia tiver o cabelo cortado.- Muito bem, meu Comandante.E destrocei.Passou a manhã, a hora do almoço e lá para as 4 da tarde é que resolvi sentar-me na cadeira do barbeiro para mandar cortar o cabelo. Cabelo cortado e de seguida vou à procura do Comandante para me apresentar.Encontro-o e dirijo-me a ele:- Dá-me licença meu Comandante? Apresenta-se o oficial de dia com o cabelo cortado.Ele olha para mim e com um ar de malandro e a sorrir diz-me:- Apresentação aceite.E foi assim que eu comemorei os meus 22 anos já em Angola.Pena.

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